Poesias
Florbela
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FANATISMO
Minhalma,
de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo
nada assim enlouquecida...
Passo no
mundo , meu Amor, a ler
No
misterioso livro do teu ser
A mesma
história tantas vezes lida!
"Tudo
no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."
-
EU...
Eu sou
a que no mundo anda perdida,
Eu sou a
que na vida não tem norte,
Sou a irmã
do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de
névoa tênue e esvaecida,
E que o
destino amargo, triste e forte,
Impele
brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que
chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que
nunca na vida me encontrou!
Pablo Neruda
Soneto XXV de Cem
sonetos de amor
Antes de amar-te, amor,
nada era meu:
vacilei pelas ruas e as coisas:
nada contava nem tinha nome:
o mundo era do ar que respirava.
E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio,
morte e mudo, caído, abandonado e decaído,
tudo era inalienavelmente alheio,
tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua beleza e tua pobreza
de dádivas encheram o outono.
Ana C. Pozza
A tua voz no
papel
Os dias se vão
e eu espero notícias...
Quero apenas
a tua voz
no papel
Pois ainda permanece
dentro de mim
o teu olhar
E a saudade aperta
quando os dias se vão
e eu fico a esperar...
Fernando Pessoa
"O amor, quando se
revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela
adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder
contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar..."
CARLOS DRUMMOND DE
ANDRADE
AS SEM RAZÕES DO AMOR
"Eu te amo porque
te amo
Não precisas ser
amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não
amo
bastante ou a mim.
Porque amor não se
troca,
não se conjuga, nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais
que o matem (e matam)
a cada instante de amor."
Soren Kiekegaard
Arriscar é viver
Rir é
arriscar-se a parecer louco
Chorar é arriscar-se a parecer sentimental
Estender a mão para o outro é arriscar-se a se
envolver
Expor seus sentimentos é arriscar-se a expor o
seu eu verdadeiro
Amar é arriscar-se a ser amado
Expor suas idéias e sonhos ao público é
arriscar-se a perder
Viver é arriscar-se a morrer...
Ter esperança é arriscar-se a sofrer decepção
Tentar é arriscar-se a falhar
Mas é preciso correr riscos,
Porque o maior azar da vida é o de não arriscar
nada...
Pessoas que não arriscam, que nada fazem, nada são
Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza
Mas assim não podem aprender, sentir, crescer,
mudar, amar, viver...
Acorrentadas às suas atitudes, são escravas
Abrem mão de sua liberdade
Só a pessoas que se arrisca é livre...
Arriscar-se é perder o pé por algum tempo
Não se arriscar é perder a vida...
Cecília
Meireles
MOTIVO
A
Viagem
Eu canto
porque o instante existe
E a minha vida está completa
Não sou alegre nem sou triste
Sou poeta
Irmão das coisas fugidias
Não sinto gozo nem tormento
Atravesso noites e dias
No vento
Se desmorono ou se edifico
Se permaneço ou me desfaço
- não sei, não sei. Não sei se fico
Ou passo
Sei que canto. E a canção é tudo
Tem sangue eterno a asa ritmada
E um dia sei que estarei mudo
- mais nada
